SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I -
INTERIOR SP E MS SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE JAU 1ª VARA DE JAÚ
ACAO CIVIL PUBLICA 0000605-83.2012.403.6117 - MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
- PROCURADORIA DA REPUBLICA EM JAU - SP(Proc. 1360 - MARCOS SALATI) X UNIAO
FEDERAL(Proc. 1441 - SARAH SENICIATO) X CAIXA ECONOMICA FEDERAL(SP087317 - JOSE
ANTONIO ANDRADE) X SERVE ENGENHARIA LTDA(SP123642 - VALCIR EVANDRO
RIBEIRO FATINANCI) Vistos, Trata-se de ação civil pública proposta pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da UNIÃO FEDERAL, da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
e de SERVE ENGENHARIA LTDA., em que se requer a concessão da tutela liminar,
para, no âmbito desta Subseção Judiciária de Jahu: a) determinar à UNIÃO e à
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL que instituam, no âmbito de suas atribuições, no prazo
de 60 (sessenta) dias, mecanismos de fiscalização das etapas anteriores à
celebração dos contratos de mútuo do Programa Minha Casa, Minha Vida (a saber,
relativas à formação da demanda ou à comercialização das unidades), no âmbito
do PNHU, no que toca às propostas de empreendimentos, nas faixas II e III, que:
a.1) impeçam a cobrança, pelas empresas proponentes (construtoras,
incorporadoras etc.) de entrada, sinal ou de qualquer outro importe sobre o
valor de comercialização das unidades imobiliárias dos interessados (futuros
mutuários) na aquisição do imóvel, nos casos em que há a possibilidade,
objetivamente, de financiamento integral, segundo as regras do programa, sem
prejuízo da possibilidade/necessidade do pagamento de eventual entrada ou valor
similar pelos mutuários, no momento e somente quando da assinatura dos
contratos de mútuo com a CEF, quando não possuam o direito subjetivo ao
financiamento integral; a.2) o valor total das unidades imobiliárias dos
contratos de mútuo celebrados não ultrapassem o valor de avalização ou
reavaliação realizadas pela Caixa Econômica Federal, obstando-se que os
mutuários paguem valor superior ao avaliado em benefício injustificável da
empresa proponente do empreendimento; a.3) impeçam a cobrança de qualquer outro
valor, seja a que título for (de taxas, de corretagem, de despesas, etc.) pela
empresa proponente, correspondentes bancários, sindicatos, associações ou
qualquer outro interveniente, diretamente dos interessados ou mutuários, que
não esteja previsto expressamente nas normas do PMCMV; a.4) caso as normas do
PMCMV autorizem expressamente a cobrança de algum valor diretamente pela
empresa proponente dos interessados na aquisição do imóvel ou dos mutuários,
que referido valor conste obrigatoriamente da proposta de empreendimento
apresentada e do contrato de mútuo, para evitar-se que a Caixa Econômica Federal
não tome conhecimento da cobrança, de sorte que o pagamento somente poderá ser
efetivado após a eventual aprovação da CEF e sob a sua supervisão,
observando-se, ademais, para eventual aprovação da cobrança, as vedações
estabelecidas nos itens a.1) e a.2), deste pedido liminar; Vale dizer, que
instituam mecanismos para que a CEF fiscalize a eventual cobrança de valores
indevidos como condição de acesso ao PMCMV, anteriormente à assinatura dos
contratos de mútuo, prevendo e aplicando, nos termos legais, sanções aos
responsáveis. Postula-se pela fixação de multa diária no valor de R$ 10.000,00
(dez mil reais) para o caso de descumprimento, a ser revertida ao Fundo de
Defesa de Direitos Difusos (arts. 13 da Lei n.º 7.347/85, 99/100 do CDC, Lei
n.º 9.008/97 e Decreto n.º 1.306/94); b) declarar a ilicitude da cobrança
efetivada na comercialização do Conjunto Residencial Jardim dos Calçadistas,
pela SERVE ENGENHARIA LTDA. em face dos interessados, a título de sinal e
princípio de pagamento, ou a que título for, determinando que restitua os
valores pagos para todos aqueles que o efetuaram. A fim de operacionalizar a
liminar, caso deferida, requer seja publicado edital, com prazo para que os
prejudicados demonstrem o seu direito. Após, seja determinada a restituição do
valor pago no prazo a ser fixado, sem prejuízo do pedido de condenação de
restituição do valor em dobro, com juros e correção, e mesmo de habilitação
posterior. Postula-se pela fixação de multa diária no valor de R$ 10.000,00
(dez mil reais) para o caso de descumprimento, a ser revertida ao Fundo de
Defesa de Direitos Difusos (arts. 13 da Lei n.º 7.347/85, 99/100 do CDC, Lei
n.º 9.008/97 e Decreto n.º 1.306/94); c) caso declarada a ilicitude da cobrança
e determinada a devolução dos valores nos termos do item anterior, determinar à
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e à SERVE ENGENHARIA LTDA. que o valor total da unidade
imobiliária nos contratos de mútuo a serem eventualmente celebrados não
ultrapasse o valor da avaliação efetivada e aprovada pela CEF. Para o caso de
eventuais custos cobrados ou pagos pelos mutuários atinentes à celebração do
contrato, ou despesas dele decorrentes, tendo como base valor superior ao da
avaliação, que sejam condenadas, solidariamente, a restituir a eventual
diferença aos mutuários, no prazo de 10 (dez) dias. Postula-se pela fixação de
multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o caso de
descumprimento, a ser revertida ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (arts.
13 da Lei n.º 7.347/85, 99/100 do CDC, Lei n.º 9.008/97 e Decreto n.º
1.306/94); Em sede de cognição exauriente, o MPF requer o seguinte: a
condenação definitiva da UNIÃO e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, ambas nos mesmos
termos do item a) retro, e esta também nos termos do item c) retro; a
condenação da ré SERVE ENGENHARIA LTDA. a devolver em dobro o valor pago (de R$
1.000,00, de R$ 2.000,00 ou mesmo de outro), que diga respeito a sinal, arras
ou entrada sobre o valor dos imóveis, ou de qualquer outro valor que não esteja
previsto expressamente nas regras do PMCMV, relativamente ao Conjunto
Residencial Jardim dos Calçadistas, a todos que efetivaram o pagamento, com
juros e correção monetária. Postula-se, outrossim, pela condenação definitiva
nos termos do item c), do pedido liminar; alternativamente, se, no decorrer dos
trâmites da ação, houver a assinatura dos contratos de mútuo, como forma de
restituição dos valores pagos, descritos no item b), do pedido liminar, ou no
item b), do pedido final, que a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL seja condenada a
abatê-los dos valores a serem repassados à SERVE ENGENHARIA LTDA. em razão da
execução das obras, bem como a restituí-los/entregá-los aos mutuários; Pede,
por fim, a citação dos réus, a inversão dos ônus da prova, com base no inc.
VIII do art. 6º do CDC e a decretação do segredo de Justiça em relação a
documentos sigilosos. Juntaram-se documentos (Inquérito Civil Público n.º
1.34.022.000143/2011-91, fls. 50-52). A apreciação da liminar foi postergada para que os
réus se pronunciassem no prazo de 72 horas, nos exatos termos indicados no art.
2º da Lei n. 8.437/1992. Com base no inc. IV do art. 125 do Código de Processo
Civil, foi designada audiência de conciliação, em que não se chegou a um
acordo. É o relatório. Fundamento e decido. Em sede de análise cognitiva de
urgência, não vislumbro a densidade jurídico-normativa necessária à
concessão da tutela antecipada. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Defiro a inversão
do ônus probatório. Assim, desde logo, saibam as partes que, no caso de dúvida
sobre matéria de fato, esta será resolvida em prol dos consumidores, com base
no inc. VIII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor. FALTA DE INFORMAÇÕES
Em relação à alegada falta de informações a malferir os arts. 6º, III, IV, X e
31 do Código de Processo Civil, não a enxergo. Aduz o e. MPF que as pessoas não
entendiam a que título estavam pagando os montantes de R$ 1.000,00 ou R$
2.000,00. Relata que os consumidores atribuíram nomenclaturas diversas para o
mesmo pagamento e que as próprias funcionárias da empresa demonstraram não
saber exatamente a destinação dos valores. Todavia, restou bastante
claro nos contratos assinados que tais valores seriam a título de arras. Com
efeito, percebe-se dos contratos assinados por JOÃO AUGUSTO GONÇALVES CAMPANHÃ
(Contrato n.º 106, fls. 307/310), JORGE LUIZ MARQUES FILHO (Contrato n.º 218,
fls. 317/320), JAMES LEANDRO DE CAMPOS (Contrato n.º 220, fls. 325/328),
GIOVANI BATISTA SEDE (Contrato n.º 87, fls. 447/450) e RODRIGO GUIMARÃES LEÃO
(Contrato n.º 207, fls. 334/337), intitulados CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E
VENDA - COM SINAL (ARRAS), que sua cláusula 4ª assim dispõe: FORMAS E CONDIÇÕES
DE PAGAMENTO PREÇO TOTAL R$ 61.000,00 que serão pagos da seguinte forma: R$
1.000,00 (um mil reais), neste ato, a título de Sinal e Princípio de Pagamento,
entregue ao VENDEDOR pelo COMPRADOR, podendo ser pago da forma que segue: R$
1.000,00 (um mil reais) à vista; R$ 1.000,00 em duas parcelas de R$ 510,00
(quinhentos e dez reais); ou R$ 1.000,00 em três parcelas de R$ 350,00
(trezentos e cinquenta reais). R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) através de
financiamento junto a Caixa Econômica Federal, valor este a ser liberado
conforme cronograma físico da obra. Portanto, todos aqueles que se dispusessem
a ler referido contrato saberiam que não estavam a pagar taxa, emolumento, comissão
ou qualquer outra coisa, mas, sim, arras. Considero a cláusula, no
que diz respeito à natureza jurídica dos R$ 1.000,00/R$ 2.000,00 (mil/dois mil
reais) correta, clara, precisa, ostensiva e em língua portuguesa, de modo a
satisfazer as exigências do art. 31 do Código de Defesa do Consumidor c/c os
incisos III, IV e X do art. 6º do mesmo diploma legal. Não se está a chancelar
todo o contrato, nem toda a cláusula, mas apenas se está a considerar que, pela
leitura do contrato, estavam os consumidores razoavelmente informados que
desembolsavam a título de arras. LEGITIMIDADE DOS VALORES COBRADOS
O MPF entende que os valores de R$ 1.000,00 ou R$ 2.000,00 reais cobrados dos
compradores são ilegais. Advoga que o PMCMV permite o financiamento integral
dos imóveis adquiridos e que a cobrança desses valores restringe a amplitude
subjetiva do programa. Não se perfilha desta opinião. Ao que se
vislumbra dos autos, os valores foram dados a título de arras, que é um pacto
jurídico extremamente comum no mercado imobiliário e válido no ordenamento
jurídico nacional. A entidade organizadora tem a incumbência de fazer o
levantamento das propostas para viabilizar o empreendimento. O levantamento das
propostas deve se dar de forma firme. A entidade organizadora tem gastos em
todas as etapas do projeto e riscos de toda a sorte, figurando, inclusive, como
fiadora dos compradores perante a Caixa Econômica Federal, se for também a
construtora, como acontece no caso. Há de se exigir uma
seriedade nas propostas que se dão na fase pré-contratual. Essa seriedade
advém, justamente, das arras. As arras são fiança da seriedade da proposta,
tanto para os compradores, quanto para os vendedores. Porém, para que gozem da
natureza jurídica de arras, e da legitimidade que vem em consequencia, é
imprescindível que todos os valores pagos sejam abatidos do preço do imóvel,
conforme estipula o art. 417 do Código Civil. Art. 417. Se, por ocasião da
conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou
outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou
computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal. Daí a
relevância de se verem computadas as arras no CONTRATO POR INSTRUMENTO
PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE TERRENO E MÚTUO PARA CONSTRUÇÃO DE UNIDADE
HABITACIONAL COM FIANÇA, ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA E OUTRAS OBRIGAÇÕES -
PROGRAMA NACIONAL DE HABITAÇÃO URBANA - PNHU - IMÓVEL NA PLANTA ASSOCIATIVO -
MINHA CASA MINHA VIDA - MCMV - RECURSOS DO FGTS, de f. 76/108. Havendo,
como há, a informação de que já foi pago o competente sinal e que este será
descontado do preço de aquisição, entendo que há perfeita subsunção do negócio
jurídico in concreto ao conceito normativo do art. 417 do Código Civil. Quanto
à possibilidade de financiamento integral, entendo que não se pode confundir as
regras de financiamento com o contrato de aquisição. Isso é válido tanto para o
PMCMV, quanto para outros financiamento. As regras que estipulam limites ao
financiamento - ou o permitem integral - são normas que, axiologicamente, estão
ligadas ao risco embutido crédito. São normas ligadas ao risco de recuperação
desse crédito. Não vedam a cobrança de arras. Também
não vê a restrição indevida aos participantes do programa. Tal se daria se as
arras cobradas fossem absurdamente altas em comparação com o âmbito de
abrangência subjetiva do PMCMV. Um cotejo entre o valor do imóvel, os valores
financiados, a renda familiar das escalas do PMCMV do empreendimento, as
parcelas a que se compremeteriam os compradores e as arras cobradas, leva à
conclusão de que elas não distorceram a clientela que deveria ser atingida
pelas faixas II e III do PMCMV. Em outras palavras, é a modicidade dos valores
cobrados a título de arras que irá determinar a sua legitimidade dentro do PMCMV. No
caso concreto, entendo que foi respeitada essa modicidade. Além de estarem
dentro de um valor considerado razoável, ainda assim, poderiam ser parceladas,
conforme se transcreveu da cláusula 4ª dos contratos assinados. Diante disso,
também rechaço a argumentação de que houve vantagem excessiva para a empresa,
vedada pelo inc. V do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor. Da mesma
maneira, não vejo enriquecimento ilícito, mas contrato válido entre as partes a
gerar um sinalagma. Portanto, não considero aplicável à espécie o art. 884 do
Código Civil. FUNÇÃO DA AVALIAÇÃO DA CEF O MPF argumenta que, embora
considerados no preço de venda, os valores dados a título de sinal são, na
realidade, mero enriquecimento ilícito da entidade organizadora. Isso, porque o
valor de avaliação dos imóveis deu-se no montante de R$ 69.980,00, enquanto
teria bastado à SERVE ENGENHARIA - como efetivamente o fez - fixar o valor de
venda em R$ 70.980,00 para ficar com os valores adiantados, sem que nada
representassem. Apesar de entender a brilhante argumentação do MPF,
não coaduno com seu entendimento. Entendo que, no sistema constitucional de
livre iniciativa (inc. IV do art. 1º da Constituição Federal) e de liberdade da
ordem econômica (art. 170, II e IV da Constituição Federal), a avaliação da CEF
não pode ser considerada estipulação ou limite de preço de comercialização dos
imóveis, mesmo no PMCMV. A aludida avaliação tem, apenas, função de adequar o
empreendimento às faixas do PMCMV e do FGTS, analisar a viabilidade do empreendimento,
bem como de permitir uma ponderação sobre os riscos de crédito, a fortiori
porque atua com recursos do FGTS. Portanto, a entidade organizadora tem a
liberdade de fixar o valor de venda dos imóveis, dentro dos parâmetros de
mercado, não havendo obrigatoriedade de se limitar ao valor de avaliação da
Caixa Econômica Federal. Em suma, a Caixa Econômica Federal não fixa
preços. OBRIGATORIEDADE DE FISCALIZAÇÃO PELA CEF E UNIÃO Por fim,
num juízo de prelibação, não vejo nos artigos 8º, 9º, 10, 16 e 17 da Lei n.º
11.977/2009, nem no art. 1º, 4º, 5º e 6º da Portaria Interministerial n.º 409,
de 31/08/2011, normas a obrigar a União e a Caixa Econômica Federal a
fiscalizarem a conduta de outros que, na fase pré-contratual, aventurem-se a
sair propagandeando empreendimentos do PMCMV. DISPOSITIVO Isso posto, indefiro a
liminar. Intimem-se.